13 fevereiro 2010

Semanário de Londres

Boas a todos.
Faço disto um "semanário", porque chamar diário a algo que vai resumir a primeira semana de vida sozinho num país diferente com uma língua distinta era estúpido.
Foi uma semana que teve de tudo.

Começou logo com a despedida mais dolorosa da minha vida.
Sentir que, a partir daquele momento, tudo o que estava a viver era real, o afastamento dos amigos, da família, da namorada... 
Aperceber-me de que estava completamente só, num local estranho, com tanto para tratar, com tanto a que me adaptar, e que tinha de o fazer sozinho, sem o meu grande apoio ao meu lado foi muito, mas mesmo muito mau.
Ter que lidar com o facto de que não ia ver ninguém com quem me preocupo e que se preocupa comigo durante várias semanas foi um grande choque. 
As saudades apertaram desde logo. A vontade de desistir de tudo foi enorme.
Um dos piores momentos por que já passei.

O dia não ficou melhor com o passar das horas.
Ter que mudar de quarto, receber o choque de que tinha que pagar 346 libras por duas semanas num quarto com uma cama e uma mesa - uma absoluta roubalheira, mesmo em Londres! -, perceber que não aguentaria a viver assim só durante muito tempo, ter que me integrar no hospital... 
Não foi, definitivamente, um dia nada fácil. E apenas se safou o bocadinho em que pude falar através deste monitor e deste teclado com quem mais queria.

O dia seguinte, 3ª feira, não foi muito melhor.
Havia a urgência de tentar arranjar o mais depressa possível uma casa onde ficar, com companhia, com alguém com quem falar.
Tinha que comprar um cartão e, quem sabe, um telemóvel, para poder tentar marcar visitas a casas que tinha que procurar na internet. Felizmente, apenas necessitei de comprar um cartão que funciona no meu telemóvel, e assim se evitou mais uma das imensas despesas que têm que ir sendo feitas.
A parte final do dia voltou a ser o ponto alto do meu dia. Poder falar com Portugal, ouvir o português, sentir o meu país.
Entretanto, a vida no trabalho continuava complicada.
Adaptação a uma língua que não é a nossa, conhecer novos métodos e ritmos de trabalho (quem disse que se trabalha muito bem no UK, enganou-nos! Existem vários momentos de absoluto tédio, impossíveis de acontecer num hospital português. Não sei se é "problema" deste hospital ou não, mas acho que vou ter que me habituar a isso), dificuldades de comunicação, próprias de quem chegou há dias ao país, e desajustamento de toda a uma realidade à qual não estou habituado.

Chega 4ª feira e as saudades começam a apertar demasiado.
A falta de trabalho regular e constante no hospital potenciam a deriva do pensamento para aquilo em que não queríamos pensar. 
E voltam as dúvidas. Cresce a vontade de regressar.
Mas há sempre uma voz por trás de mim, que me sussurra ao ouvido, que me dá força, que me encoraja a não desistir, que me leva à batalha. O meu anjo protector, o meu poço de energia.
Com o final do dia de trabalho, há que concentrar-me noutros objectivos.
Há duas casas para visitar, estou atrasado para a visita à primeira e, para culminar em beleza, perco-me. 
Lindo!
O que vale é que as duas pessoas a quem perguntei indicações foram super simpáticas (abro aqui um parêntesis - literalmente! - para dizer que a minha opinião sobre a simpatia dos ingleses não anda muito longe da fama de hospitaleiros que nós, portugueses, temos) e facilmente consegui dar com o sítio.
Casa tipicamente inglesa, dois andares, cozinha e sala em baixo, quartos em cima. Polacos "donos" da casa, inquilinos indianos e ingleses.
Bela mistura.
A primeira impressão foi logo bastante positiva. Não é nenhuma mansão, mas podia ser bem pior (como mais tarde se vai perceber). E os "house guests" polacos são simpáticos, criando-se desde logo uma boa empatia.
Segunda casa a visitar e a "perdição" da praxe. Lá andei eu "às aranhas", a perguntar por todo o lado. Foi giro.
Chego à segunda casa e não há grandes palavras para descrever o quarto. A palavra que penso que se adequará será "espelunca". Senão, procurem no dicionário um sinónimo qualquer, mas com sentido mais pejorativo.

5ª feira é dia de resposta da casa que me agradou (a outra foi logo encostada ao um canto, com um Knock-Out aos 5 segundos), e a ansiedade apodera-se de mim. Não só porque fiquei satisfeito com o que vi (posso vir até a desiludir-me, mas...), mas também porque não tenho a mínima paciência para passar mais alguns dias a ver casas.
Os dias no trabalho vão melhorando, a comunicação vai sofrendo alterações positivas e o grau de independência vai subindo, assim como a integração com a restante equipa.
Aproveito esta linha para dizer que tenho vários colegas de profissão de vários cantos do mundo.
Assim de cor:
Indiano gay
Sul-africano de origem negra
Meio-francês/meio-neozelandês que viveu toda a vida na Austrália
Sul-africano de origem branca
Mulher idosa da Malásia com piercing típico no nariz
Sul-africano de origem asiática
Mulher do Sri-Lanka chamada Mary McCormick (das coisas mais esquisitas que já vi na vida)
Irlandesa que nunca foi à Irlanda (muito estranho, também)
Argelino
No meio desta amálgama toda, ainda se encontram dois ou três ingleses.
Voltando à linha de raciocínio anterior...
Dia de receber a resposta, que chega ao fim da tarde, e que é positiva!
Acabou por ser um bom dia, em que todas as coisas se começaram finalmente a alinhar.

A 6ª feira foi uma 6ª feira.
Último dia da semana, em que todos andam mais alegres com a chegada do fim de semana.
Eu, particularmente, apenas senti um ou outro aperto no coração.
Era a saudade.
Engraçado que aqui ninguém consegue perceber a palavra.
Nem aqui, nem em outro lado do mundo que não fale português.
Falam-me em "homesick", eu aceno dizendo que sim, mas não concordo.
Não chega nem aos calcanhares da força da palavra exclusivamente portuguesa.
Não compreendem o verdadeiro poder, o verdadeiro alcance de tal sentimento.
Mas não tento explicar, seria uma batalha perdida.

Finalmente, hoje foi dia de abrir conta no banco.
Tudo começa a ficar mais "certinho", tudo começa a ficar sem ser aos trambolhões.
Há razões para acreditar que os próximos tempos vão ser melhores, menos atribulados, mais fáceis.
A notícia de que terei forçosamente que gozar 4 dias e meio de férias até ao final de Março também caiu que nem ginjas (ó, que chatice!...).
Imaginar-me uma semana em Portugal, depois de um mês e pouco fora do meu país e dos meus faz-me abrir um sorriso de orelha a orelha.

Resumindo, baralhando e dando de novo.
As manhãs, ao acordar, são péssimas tal o sentimento de solidão que sinto; os dias de trabalho têm vindo a melhorar numa adaptação que se entende normal; a melhor parte do dia acontece sempre ao fim da tarde/noite, quando entro em contacto com o meu mundo.
Com certeza que isto vai melhorar, até porque vou começar a fazer amigos e vou começar a habituar-me à distância por períodos prolongados daqueles que mais amo, mas quem diz que os primeiros tempos são extremamente complicados não diz mentira nenhuma!
Vamos lá ver até quando duram esses "primeiros tempos"...
Mas estou a gostar de - e a crescer muito com - toda a experiência de ter que viver completamente à minha custa. Tenho que fazer tudo por mim, compras, contas, jantares, almoços, lavagens de roupa e louça... Tem o seu quê de engraçado.

2 retro-introspecções:

Johnny Bajanas disse...

Hey!!
Temos Homem aqui :). Posso imaginar, mas nunca vou conseguir sentir aquilo por que passaste, estás a passar e ainda vais passar, pelo menos até ter uma experiência parecida. Deve ser muito difícil, mas também é preciso pensar positivo e começar a perceber que o tempo não traz só saudades. A integração, adaptação e novas caras amigas também são uma das muitas novidades que vão aparecendo a pouco e pouco. O único conselho que te posso dar é que quando a azáfama toda acalmar deves reservar um tempo para ti - não abandones o desporto!! Mesmo que só seja uma corridinha pela manhã ou fim da tarde, por experiência própria (sem abusar senão dás cabo das costas como o je), faz sempre maravilhas. Pensa nisso, se começares a criar desde o início hábitos saudáveis tudo se torna mais suportável.

Além disso podemos e devemos criar um dia semanal em que o pessoal se possa reunir no msn ou afins para manter a conversa em dia, nem que seja só por uns minutinhos (p.ex. domingo à noite, normalmente ninguém tem grandes planos).

Mostra aos beefs não só o que significa a palavra saudade, mas também o que caracteriza o puro-sangue lusitano - o desenrascanço!

Um forte mas másculo abraço.
Cya[]

BrunoFerreira disse...

Obrigado pela força!
Ontem à noite foi péssimo... Senti uma enorme vontade de voltar para o Porto, para estar junto de quem mais gosto!

Porque uma coisa é estar fora mas saber que o regresso é uma realidade, outra é pensar que se vai estar longe de tudo o que (por agora) nos interessa, sem saber quando se vai regressar...

E estou, obviamente, a pensar arranjar uma distracção qualquer. O jogging deverá ser a opção, para me conseguir abstrair um bocadinho de todo o mundo que me rodeia.

Quanto aos encontros semanais, já sabes que é quando quiserem!

Hasta

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